Desigualdades e políticas públicas no Distrito Federal
LUCIO RENNÓ — Pesquisador do ObservaDF e professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB)
O Distrito Federal continua sendo uma das unidades da Federação mais desiguais do Brasil, medida pelo Índice de Gini, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2023, está atrás apenas de Paraíba e Piauí e tem valor superior ao índice nacional. Isso não é novidade. Ao longo das décadas, essa tem sido a situação, de uma estabilidade inaceitável. Entra governo, sai governo, a situação muda pouco, e as pessoas na base das camadas de renda, a maioria esmagadora, paga o preço.
É justamente esse contingente populacional que mais precisa da atuação do Estado, que se expressa por meio da implementação de políticas públicas que atendam às necessidades da população. A intervenção estatal é fundamental para reduzir os enormes fossos sociais que existem no DF. Sem políticas públicas voltadas para a redução da pobreza e promoção de um desenvolvimento inclusivo e sustentável, de ampliação do acesso a serviços públicos de qualidade, dificilmente a atual situação será revertida.
Contudo, como mostram as pesquisas do ObservaDF, disponíveis no site https://observadf.unb.br/, o acesso ao Estado e à cidade é condicionado pela situação de renda da população e por outras manifestações perversas da exclusão, baseadas em gênero, raça e faixa etária.
Em resumo, pessoas que moram em cidades de renda mais baixa, na periferia geográfica do DF, têm acesso reduzido a oportunidades de trabalho e renda, ao território, com suas limitações de mobilidade urbana, a atividades de lazer e cultura e a serviços de saúde pública. Há significativas diferenças nas percepções daqueles(las) que moram em cidades mais pobres em relação aos(às) que vivem nas mais ricas sobre a atuação do Estado e a oferta de políticas e serviços públicos.
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Os estudos apontam que as avaliações dos hospitais e dos ônibus são muito piores para quem mora em regiões de mais baixa renda. A insatisfação dessas populações indica uma oferta de políticas de saúde pública e mobilidade urbana ineficiente e incompleta. É uma população que também sofre de insegurança alimentar e que não é atendida devidamente por políticas sociais, cuja cobertura é insuficiente, deixando de atender a inúmeras parcelas da população que necessitam, indicando grave problema de focalização.
As condições de moradia da população de baixa renda também são grave problema, que sofre com aluguéis cada vez mais caros e a necessidade de morar cada vez mais longe do local de trabalho e em situação de insegurança jurídica — em áreas sem regularização fundiária. As críticas às políticas habitacionais são dominantes, indicando acesso reduzido e uma reputação de que a alocação não é baseada em critérios universais.
Ademais, há uma sensação maior de insegurança nas cidades mais pobres e, principalmente, entre as mulheres. Os jovens da periferia também sofrem, com menos acesso a cultura e entretenimento e a empregos, sobretudo aqueles que mais os atraem, nas áreas tecnológicas e de comunicação.
Por último, a população carente é a que mais sofre as consequências das mudanças climáticas, sendo vítima de localidades sem infraestrutura para enfrentar a poeira na seca, que tanto mal faz à saúde, e as enchentes no período de chuvas. Sem falar que mora em áreas menos arborizadas e com mais lixo, entulho e animais abandonados nas ruas.
Os achados acima são importantes para redobrar a atenção ao perene tema, que nunca melhora, do combate à desigualdade. Agora compiladas em livro, de acesso público no site do Observa DF (ttps://observadf.unb.br/livro-observadf), as evidências apenas confirmam o que vivenciamos todos os dias: os que mais precisam do Estado são os que menos recebem dele e as resistentes e inaceitáveis desigualdades seguem sem solução.