Moradora de Campo Grande, a biomédica Yasmin Fonseca, de 24 anos, perde pelo menos três horas todos os dias para chegar às 8h ao trabalho, no Centro. Após pegar o BRT até a Barra da Tijuca, ela faz conexão com a linha 309 (Alvorada-Centro). Na volta para casa, espera pelo menos meia hora só para embarcar, conseguir um lugar e viajar sentada.
— Saio do trabalho no início da tarde, e o ônibus demora muito para deixar o ponto na Central. Geralmente, os carros estão em péssimo estado. O ar-condicionado não funciona, e os bancos estão soltos — criticou.
Yasmim poderá ter mais motivos para reclamar a partir de hoje, já que a prefeitura vai reduzir o número de viagens de ônibus na cidade. Só a linha usada pela biomédica passará de 172 para 125 viagens por dia útil — uma queda de 27%. Em toda a cidade, a redução média será de 20,1% — de 25.952 para 20.730 viagens, de acordo com levantamento da ONG Fórum de Mobilidade Urbana. Já a quilometragem rodada pelos ônibus cairá 18% — de 1,1 milhão para 906.680, por dia. Como as empresas recebem hoje subsídio proporcional aos trajetos percorridos, a prefeitura reduzirá seus gastos com o transporte. A secretária municipal de Transportes, Maína Celidonio, calcula um corte de R$ 200 milhões neste segundo semestre.
Sem mudança na madrugada
Celidonio admite que as mudanças podem levar o usuário a esperar mais tempo no ponto. Ela argumentou, no entanto, que boa parte da frota, principalmente fora do rush, circulava com poucos passageiros, “batendo lata”. A revisão do número de viagens foi feita com base em informações geradas pelo sistema de bilhetagem eletrônica do Jaé, que a partir de 2 agosto será o único cartão aceito nos ônibus e vans municipais, no VLT e nos “cabritinhos”.
— Com a implantação do Jaé, passamos a ter acesso à demanda das linhas hora a hora, inclusive às informações geradas pelo Riocard. Um exemplo são as linhas que passam pela Avenida Brasil. O número de passageiros caiu com a entrada em funcionamento do BRT Transbrasil — explicou a secretária.
Os horários de menor procura das linhas variam caso a caso. Durante o dia, a medida deve afetar a oferta de coletivos, principalmente entre 9h e 15h. No período noturno, a procura costuma ser menor a partir das 20h. Mas as linhas com trajetos mais longos que partem do Centro, por exemplo, têm o pico vespertino estendido até mais tarde.
A prefeitura garante que, na operação da madrugada (da meia-noite às 5h), não haverá alterações no número de viagens das 65 linhas que prestam o serviço. Neste caso, afirma Celidonio, a regra é ter cada linha operando com pelo menos um ônibus por hora em cada sentido.
O porta-voz do Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio (Rio Ônibus), Paulo Valente, por sua vez, disse que os consórcios receberam há pouco tempo orientação da prefeitura para aumentar o total de viagens, mesmo com a quantidade de passageiros estável. Em junho, por exemplo, houve um crescimento de 5% na quilometragem rodada em comparação ao mês de abril.
Mas a redução pegou os passageiros de surpresa. Moradora de São Cristóvão e passageira da linha 371 (Praça Seca-Praça Tiradentes), que terá o número de viagens diárias reduzido de 284 para 216 (23,9%), a garçonete Graziele Ramos costuma sair do Centro por volta das 14h. Ela ficou preocupada ao saber da mudança:
— À tarde, já espero 40 minutos pelo ônibus. E, de repente, chegam cinco de uma vez. Os horários deveriam ser mais bem distribuídos em lugar de apenas cortar viagens.
O subsecretário municipal de Transportes e Operação, Guilherme Braga Alves, afirmou que ajustes ainda podem ser feitos conforme a procura. Segundo ele, mesmo com os cortes, o total de viagens por dia ainda ficará 15% acima da demanda.
Hoje a prefeitura concede dois tipos de subsídios aos empresários de ônibus. Um deles não será afetado com a mudança anunciada: é o que mantém a tarifa a R$ 4,70 hoje para os passageiros — o município repassa recursos para que o valor não seja de R$ 6,50. A outra forma de remuneração leva em conta a quantidade de quilômetros percorridos pelos ônibus em cada linha. De acordo com informações do site de Transparência da Secretaria municipal de Transportes, em 2024, os consórcios receberam R$ 1,2 bilhão referente aos trajetos percorridos. Os dados de 2025 estão disponíveis até maio: R$ 359 milhões.
Falta integração
O coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana, Licínio Machado Rogério, diz que o Conselho Municipal de Transportes não foi consultado sobre as mudanças:
— É preciso ter ônibus na rua independentemente do número de usuários por horário. O passageiro vai perder mais tempo aguardando pelo transporte.
Segundo ele, os cortes atingiram até as linhas regulares que passaram a atender os passageiros do metrô após o fim do serviço exclusivo (metrô de superfície) em julho de 2024. O número de viagens da 548 (Vila Isabel-Botafogo), por exemplo, teve o número de viagens diárias reduzido de 126 para 82, uma queda de 35%.
— Um ajuste desses só poderia ser feito após uma integração das grades de horários de todos os transportes públicos (inclusive metrô e trens). E o sistema tem que ter previsibilidade. O usuário pode se adaptar à nova realidade desde que as linhas circulem em intervalos regulares — disse o engenheiro Marcus Quintela, coordenador da FGV Transportes.